Já imaginou poder comprar uma revista em quadrinhos com uma história
completa que não continue na próxima edição, ou que não faça referência a
30 outras revistas diferentes? Para leitores de quadrinhos mais
infantis, como os da Turma da Mônica (original) e da Disney, essa é uma
realidade quase frequente. Mas para os leitores de quadrinhos de
super-heróis é um sonho distante.
"Uma história com começo, meio e fim em uma única revista?" |
Entretanto houve um tempo em que as
histórias de super-heróis tinham roteiros tão descompromissados quanto
os quadrinhos infantis de hoje. Era o tempo em que os editores ainda não
tinham grandes preocupações com a continuidade e a cronologia dos
personagens. Era o tempo em que ainda os editores ainda não haviam visto
a oportunidade de obrigar os fãs a comprarem dezenas de revistas para
acompanhar uma história.
Os super-heróis da DC Comics, conhecidos
entre os setentistas e oitentistas como Superamigos, e pelos mais novos
como Liga da Justiça, viveram um momento em que os roteiristas não
precisavam de uma enciclopédia com referências cruzadas e vários álbuns
para poder escrever uma história. Eles podiam ignorar fatos passados ou
simplesmente incluí-los, contradizendo o que já havia sido escrito
antes.
Guerra Civil: contradição de caráter |
Foi assim que o Superman, que no início só torna-se herói
adulto, logo depois passa a ter uma adolescência como Superboy. E logo o
último sobrevivente de Krypton passa a não ser mais tão último assim,
encontrando prima, cachorro, gato, cavalo e até inimigos vindos de seu
planeta.
Os super-animais de estimação |
Nos anos 40 vários personagens foram criados, muitos tendo a
magia como fonte de poder, como o Lanterna Verde original, Alan Scott, o
Senhor Destino e o Gavião Negro original. Nos anos 60, vários heróis
foram reformulados, para terem uma origem mais científica. Assim
surgiram o segundo e mais conhecido Flash, Barry Allen, o Lanterna Verde
Hal Jordan, e o Gavião Negro alienígena Katar Hol.
Os Flashes da Era de Prata e de Ouro |
Os Lanternas Verdes da Era de Prata e de Ouro |
Só que havia um
problema. Superman, Batman e Mulher-Maravilha haviam lutado com os
heróis dos anos 40, a Sociedade da Justiça. E agora, eles lutam com os
heróis dos anos 60, a Liga da Justiça. E em vinte anos, continuavam
enxutos. Como explicar isso? Aliás, como explicar que, aparentemente, a
trindade da DC Comics parecia não se lembrar de ter lutado com a
Sociedade da Justiça? Em uma história do Flash Barry Allen chamada
Flash of Two Worlds, publicada na revista Flash #123 de 1961, o Flash
dos anos 60 se encontra com o Flash dos anos 40. Voltando no tempo? Não,
porque o Flash dos anos 40 nunca existiu na história do Flash dos anos
60. Então como? O que ocorre é que ambos descobrem que existem terras
paralelas. Ou seja, em uma Terra há um Flash, e ela está na década de
40, enquanto em sua cópia há um outro, só que ela está vive a década de
60.
Superman e Superboy |
Confuso? Isso piorou com o tempo. Pra tentar explicar as
incoerências geradas pela falta de continuidade nas histórias foram
sendo criadas várias terras paralelas: Terra 3, Terra X, Terra S, Terra
Prime e milhares outras. A Terra da Liga da Justiça era a 1, enquanto a
Terra da Sociedade da Justiça era a 2. De vez em quando os heróis de
Terras diferentes se encontravam. Às vezes ocorriam coisas curiosas,
como a morte do Batman da Terra 2 (que teve uma filha com a Mulher Gato)
enquanto sua contraparte na Terra 1 permanecia viva. Bem, um dia a
DC resolveu arrumar a bagunça e tentar estabelecer uma única Terra, com
uma única cronologia. Mas não dava pra simplesmente começar do zero sem
dar uma satisfação para os leitores. Então surgiu uma das maiores sagas
dos quadrinhos nos anos 80: a Crise nas Infinitas Terras. Essa foi uma
história magistral, publicada originalmente em doze edições, que reuniu
todos (TODOS) os personagens da DC Comics em um confronto com o
Antimonitor, uma criatura de anti-matéria que queria destruir o
multiverso (o universo com as múltiplas Terras).
Os personagens de Crise nas Infinitas Terras, por Alex Ross |
No final da saga, as
Terras (que sobreviveram) são fundidas em uma única Terra. Alguns
heróis e vilões morrem, para solucionar as incoerências, como o Robin e a
Caçadora da Terra 2 e a Supermoça. Infelizmente, alguns que não
precisavam morrer por causa disso também sucumbem, como o Flash. A
partir do final da Crise, toda a cronologia do universo DC foi
unificada, tanto que os autores da saga, Marv Wolfman e George Pérez,
escreveram "A História do Universo DC", para servir de referência para
os artistas e leitores. A partir daí, os principais personagens da DC
Comics tiveram suas origens recontadas. Um desses foi o Lanterna Verde
da Era de Prata (anos 60). E tudo o que foi falado até agora foi apenas
uma introdução para a história dos anos 80 que reconta a origem do
personagem criado na década de 60.
A história do universo DC |
O nome dessa história é Emerald
Dawn, traduzida aqui como Amanhecer Esmeralda. O que ela tem de
importante hoje? Bem, parte dela serviu para o infame primeiro filme solo
do Lanterna Verde. E olha que o personagem
já apareceu em péssimas produções cinematográficas antes, mas sempre como parte
de uma equipe.
Os fãs do Lanterna Verde esperaram pela chance
de assistir a uma produção que honrasse toda a mitologia da Tropa dos
Lanternas Verdes, conceito criado por John Broome e Gil Kane, logo na
primeira história em quadrinhos de Hal Jordan, o Lanterna que foi
interpretado por Ryan Reynolds que mais tarde ironizou sua atuação no filme solo de Deadpool.
O primeiro filme solo do Lanterna Verde |
A Tropa dos Lanternas Verdes tem uma
grande importância na Crise das Infinitas Terras. Na verdade, a origem
da crise se dá no planeta Oa, que é o lar dos Guardiões do Universo, os
criadores da Tropa.
Os milhares de membros da Tropa dos Lanternas Verdes, exceto Mogo, um vírus e uma equação |
Eu resolvi reescrever este artigo, criado originalmente em meu site (www.fgsl.eti.br) após assistir ao
primeiro trailer do filme Lanterna Verde, que infelizmente não foi o filme que o gladiador esmeralda merecia. Mas percebi que diversas frases foram retiradas
da história Amanhecer Esmeralda. Eu pessoalmente gosto muito dessa
história. É bem escrita (ao contrário do filme) e bem desenhada, e ainda não tem aquela
sanguinolência dos quadrinhos pós-Watchmen e Cavaleiro das Trevas. É
algumas vezes poética e até inspiradora.
Em uma das cenas do filme, Hal Jordan diz
que um Lanterna Verde não pode ter medo, mas ele não é assim. Em
Amanhecer Esmeralda, quando Abin Sur encontra Hal e lhe diz que ele foi
escolhido para ser seu sucessor, ele responde:
"Você disse que um
Lanterna Verde tem de ser corajoso e eu estou me borrando nas
calças".
Abin Sur responde:
"Se o anel o escolheu, é porque você
tem o potencial para superar o medo".
Abin Sur e Hal Jordan |
No infame filme, é Carol Ferris, o
amor de Hal, quem lhe diz:
"Você tem a habilidade de superar o
medo".
Blake Lively como Carol Ferris |
O encontro entre Hal e Abin Sur ocorre, guardadas
as adaptações, de maneira bastante similar a origem recontada em 1986, embora de forma bem sucinta (e pouco épica).
Aliás, no filme aparece o planeta Oa e os outros Lanternas que Hal
conhece na história, que serão os mais influentes em sua carreira de
super-herói: Tomar Re, Killowog e Sinestro.
O Hal Jordan
vivido por Reynolds é um sujeito pouco responsável, que de repente se vê
com uma enorme responsabilidade nas mãos.
Em Amanhecer Esmeralda, Hal é
retratado como um cara que carrega uma dor pela morte do pai (que
também era piloto) e vive uma fase de seguidos fracassos. A cena fo filme em que
ele ejeta do caça após uma pane me deixou com a suspeita de que tentaram fazer referência ao roteiro de Amanhecer Esmeralda, mas infelizmente, descartaram essa explicação.
Eu sempre quis que Amanhecer
Esmeralda virasse filme, pois é uma história fantástica, realmente
poderia ser a origem definitiva (mas contaram ela de novo pra consertar a besteira de terem matado Hal Jordan). Seria fantástico assistir a um filme baseado nessa saga. Aliás, eu não entendo porque Warner Bros complica tanto suas produções, enquanto a Marvel Studios apenas segue os roteiros dos quadrinhos adaptando o que é necessário mas mantendo a essência dos personagens e a trama principal das sagas.
Amanhecer Esmeralda - versão brasileira |
Uma nova produção com a Tropa dos Lanternas Verdes já foi anunciada. Quem sabe eu ainda
ouça a frase de Hal, quando entrou na bateria central pela primeira
vez: "Eu anda tenho medo? Sim. Mas o medo não importa mais".
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